ele estava ali sentado no chão. usando uma camisa de adulto bem suja. encolhido na frente a loja de roupas. me olhou de longe e sorriu. seguiu observando o troca-troca
de colos da minha filha que acabou indo pro chão e também ali sentando. pediu algo ao pai dela, que negou. e então veio a mim:
- tia, me compra um chinelo?
ele não pediu comida. não contou uma história triste (será
que precisava contar?). ele estava descalço e pediu um chinelo. entramos na
loja. eu, com filha no colo, ele, animado ao nosso lado, e o pai dela logo em seguida.
- ó tô com ela aqui! – ele avisa de pronto ao segurança,
deixando evidente a experiência de alguém que deve ser constantemente expulso
daquele lugar. o segurança me olha contrariado, estou claramente quebrando
regras ao entrar com Luan naquela loja.
demoramos pra encontrar, a seção de calçados infantis. e quando encontramos ele sabe exatamente qual chinelo deseja.
- tia, pode ser esse aqui!?
- claro, vamos ver... quanto você calça?
- não sei.
experimentamos e, escolhido o chinelo, procuramos o caixa. Luan me conta
orgulhoso que já havia conseguido ganhar um boné naquela manhã.
- como? – indago.
- pedindo, ué! uma dona muito linda comprou esse [boné] pra
mim na banca.
para me mostrar o boné, Luan levanta a blusa, onde ele o
guardou. o corpo miúdo do menino que diz ter 11 anos – mas parece ter 7 ou 8 –
veste uma bermuda que deveria ser de um menino ainda menor.
- vamos ver uma bermuda pra você também? – eu ofereço.
- caraaaca, tia! quero uma para combinar com meu chinelo e
com meu boné novo!
ele anda pela loja encantado. escolhe a bermuda. fala sobre o boné orgulhoso com a atendente do caixa - que, assim como o segurança, se mostra bastante incomodada com a presença de Luan ali. brinca com os espelhos. e me conta ainda
que quer "fazer a sobrancelha que tá na moda".
em algum momento pergunto onde ele mora.
- aqui mesmo em Botafogo. por aqui.
e sua mãe?
- sei não.
e seu pai?
- tá preso.
e por fim, indago:
- Luan, você quer trocar sua bermuda nova aqui?
- claro que não né , tia? vou lá no Parque Guinle que tem
cachoeira pra tomar banho. não vou colocar minha roupa nova sujo assim, né? - e confessa - mas
antes ainda vou ficar por aqui pra conseguir uma camisa maneira.
ele me agradeceu. deu tchau e cumprimentou minha filha. e eu que,
lá no início, pensei que só ia pagar um lanche, saí de lá concordando mais do
que nunca com Arnaldo Antunes: a gente não quer só comida.