segunda-feira, 27 de julho de 2015

quando foi que a militância pelo direito ao parto normal virou luta contra as mulheres que fizeram cesáreas?

querida mulher que passou de forma consciente por uma cesariana para que seu filho nascesse,

a luta a favor do parto normal não é contra você. 

quem busca e consegue um parto normal - ainda que esteja sujeita uma série de violências obstétricas - não acha que você ama menos o seu bebê e ela ama mais o dela por que você optou passar por uma cirurgia e ela não. é serio. se tua via de parto foi respeitada e a dela também, parabéns! ambas são privilegiadas por isso, você sabia? sim, pois dentre a clientes de planos de saúde, mais de 60% das mulheres começam sua gestação afirmando que querem ter seu bebê por parto normal, sabemos que menos de 20% tem seu parto por via vaginal. que tipo de escolha é essa?
como podemos falar de respeitar a vontade da mulher quando essa ‘opinião’ muda tão radicalmente em algumas semanas?  existe um mercado sustentado por essas cirurgias pré-agendadas – e que, não raro, são ditas ‘de emergência’ para a gestante e sua família. um hospital que ganha mais se tem previsão exata de quantas pacientes passarão pela sala de parto por dia. equipes médicas ganham que mais se planejam bem seu tempo dentro do hospital e dentro do consultório. imagine o que gasta uma paciente que opta por parir naturalmente em contraste com uma que passa por uma cirurgia onde há a necessidade de incontáveis recursos hospitalares. cabe a nós questionar o funcionamento desse mercado e refletir o quão ético é seguir alimentando o mesmo, não?
é indiscutível que cabe a mulher a total autonomia sobre o seu corpo. e não somente no parto, desde o seu nascimento. e essa autonomia passa pela consciência. meninas precisam conhecer seus corpos, aprender que podem se tocar, se conhecer, se masturbar e não ter vergonha disso. saber sobre reprodução vai muito além de contar os prováveis 28 dias do ciclo menstrual e colocar camisinha em banana num curto tempo de aula de ciências no oitavo ano. ensinemos as nossas meninas sobre o método Billings, alternativas aos absorventes de farmácia – absorventes de pano, coletores -, sobre formas de lidar com as cólicas. arranquemos o rótulo tragicômico da tensão pré-menstrual. ensinemos a elas a lidarem com seus corpos em vez de temerem os mesmos.
nós crescemos ouvindo como o corpo feminino é defeituoso: somos o sexo frágil; somos muito magras ou estamos acima do peso; nossos peitos são muito pequenos, muito grandes, caídos, diferentes entre si; o quadril é muito largo ou muito estreito. não há corpo feminino perfeito possível! o que nos é apresentado na mídia chega a ser risível, se olharmos atentamente. buscamos a cintura da Cinderela ou os seios da Lara Croft? tudo isso diminui a confiança da mulher sobre o próprio corpo. e o momento da gestação/parto/amamentação é só mais um momento onde olhamos para nós mesmas desacreditadas. quem vai se entender capaz de parir quando tem para isso uma ferramenta tão imperfeita e tão falha como o corpo feminino?
mulheres têm a confiança minada, pela ideia de que seus corpos são falhos e incapazes (ou elas mesmas o são, por consequência) e precisam de ajuda médica. como a mulher pode “escolher” se os médicos estão direcionando essa escolha? se os convênios possuem taxas de quase 90% de cesáreas há algo de muito grave nos corpos das mulheres ou no atendimento obstétrico?
o movimento da humanização do parto – que é plural e polifônico como todo movimento social – de modo geral propõe justamente divulgar informação para que a mulher tenha autonomia em relação ao seu corpo e seu parto. não é uma luta anti-escolha, muito menos anti-mulher-que-faz-cesárea, mas a favor da autonomia da mulher.
estamos jogando no mesmo time.


Ana Luz



colaboração: Marina Nucci

quarta-feira, 15 de julho de 2015

telefone sem fio.

ela no quarto.
eu no banheiro.
ela me grita de um canto da casa.
eu respondo de outro.

- mamain-nhê, cadê vuxê?
- tô no banheiro.
- vuxê tá fazendo totô?
- tô.
- e a vovó?
- não.
- cadê a vovó?
- tá no quarto dela.
- ela tá fazendo totô?
- espero que não.
- então tá bom. beijo.*

sabe aquele constrangimento que rola quando você tem que responder alguma coisa de dentro do banheiro? pois é, passou.

*agora ela tá nessa vibe de se despedir a cada fim de diálogo.