segunda-feira, 4 de julho de 2016

carta a uma amiga puérpera.

eu queria dizer que tô com saudade de você. e que tô aqui pensando que você deve estar com saudade de você também. e que me mata um pouquinho não poder passar aí de vez em quando no fim do dia com um saquinho de pão de queijo pra botar no forno enquanto você toma um banho com calma e eu seguro João pra depois a gente bater um papo e falar da vida. eu queria te dizer que espero muito que você tenha alguém fazendo isso por você agora, pq eu sei bem o valor disso no momento em que você tá vivendo. e que sei também que posso estar falando um monte de besteira, pq cada experiência é única e essa é a sua, e não a minha.
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mas eu queria te dizer também que essa fase passa. boa ou ruim - e meu chute é de que ela esteja sendo um muito dos dois, as vezes ao mesmo tempo -, ela passa. te dizer que hoje eu dei de cara com uma menina enorme no skype e ela tava orgulhosa fazendo pum-de-boca que aprendeu. por um breve momento eu a não reconheci, pq ontem mesmo ela era esse bebezico aí, como o seu, que me fazia sentir saudade de mim, sendo que eu nem sabia mais ao certo quem eu era. hoje eu sei um pouco mais quem eu sou e ela... bem, ela não perde tempo na descoberta de si enquanto cresce numa velocidade audaz de quem não tá nem aí pras saudades que tá deixando.
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repito, essa fase passa. não digo que você voltará a ser você, mas logo você voltará a fazer as suas coisas, aos poucos a vida se rearranja. e aí a gente vai conseguir sentar, tomar um chopp enquanto as crianças correm por aí. prometo.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

a falta da cara amassada.

recentemente voltei a trabalhar. na verdade mudei o esquema de trabalho, pq de verdade mesmo eu nunca parei de trabalhar, nem quando ela era mt bebê. toda a vida da minha filha de 3 anos e 2 meses foi comigo trabalhando de casa ou com curtos períodos de intenso trabalho fora dela. agora eu saio antes da cria acordar e vou buscá-la na escola logo após o trabalho.

eu estava preparada pra sentir o corpo reclamando de sair da cama com o dia ainda por amanhecer. eu estava preparada pro corpo reclamar de comer fora todo dia. eu estava preparada pra amar/odiar o trabalho. eu não estava preparada para morrer de saudades da minha filha.

vejam bem, ela tem 3 anos. dorme na casa do pai dela desde os 18m. desde o ano passado está numa creche maravilhosa em período integral. é criança feliz e independente. então não é que de uma hora pra outra nós duas estejamos passando muito mais tempo separadas do que costumávamos passar. não é que ela esteja sofrendo, eu tô! tá... eu tô um pouquinho, mas dá licença de fazer um drama pq o texto é meu e o blog também.

ela tá bem.

na roda do esquemão, para que eu consiga sair pra trabalhar bem cedo, entrou o papai, a vovó e o vovô com participações maiores e a ilustríssima contribuição do dindo, que sai do caminho dele pra buscar a afilhada em casa e levar na creche antes de ir ele mesmo pro trabalho. mamãe trabalha feliz podendo contar com rede de apoio. criança estreita laços com cuidadores que ela ama e que amam ela. todo mundo ganha.
mas a mãe tá lá com aquele aperto no peito.
não é aperto terrível. não é tristeza. é uma saudade roxa. uma 'melancoliazinha' chata de não ver mais diariamente a cara amassada dela quando acorda. é uma culpamaterna esquisita de estar amando o trabalho e todo o universo que o envolve. é a surpresa de estar sentindo tudo isso sendo que não tenho mais um bebê em casa...
mas aí cai a ficha de que tô saindo de casa sem ver a carinha amassada dela pra fazer algo que tô amando fazer. e mais além, penso que o melhor exemplo que minha filha pode ter é o de uma mãe feliz na maternidade, mas tb de mulher realizada com o que faz. daí o aperto afrouxa, a melancolia dá um tempo e o final de semana chega pra matar a saudade.
pq cabem muito mais mulheres aqui dentro do que só ser mãe da Dora.

segunda-feira, 28 de março de 2016

pro seu terceiro aniversário.

"Quando me chamou, eu vim
Quando dei por mim, tava aqui
Quando lhe achei, me perdi
Quando vi você, me apaixonei..."


passei semanas cantarolando essa música após o seu nascimento, há três anos atrás. sua chegada foi um chamado, que sei lá de onde veio, mas não existia possibilidade de dizer que não. antes dele passei anos refletindo a possibilidade da maternidade - as vezes tendo certeza de que queria ser mãe, outras certa de que não. e aí que num susto - ao menos no plano material -, descobri você aqui dentro.

é meio querer explicar o inexplicável, mas a sensação é essa mesmo: de que quando me dei conta você já estava sendo gerada aqui dentro. e enquanto tentava entender a gestação... aproveitá-la... pesquisar sobre tudo... mudar de casa... arrumar seu quarto... montar enxoval... seguir conselhos... dormir... pisquei e... quando me dei conta você já estava aqui. e eu já não era mais eu. e logo que você nasceu eu também ainda não era a sua mãe. quem eu era? sem que eu pudesse me dar conta do quão rápido o tempo passava, eu nascia mãe e você foi brotando esse pézinho de sorrisos e vontades. bebê que acordava sorridente, que nunca quis dormir, que 'falava' o tempo todo, não parava por nenhum momento. 

lembro-me de forçar minha imaginação tentando prever como seriam tuas feições quando você se tornasse uma menina e perdesse os traços de bebê. esforço sem sucesso. desistia e voltava a babar meu bebê. e me apaixonava e reapaixonava a cada uma dessas viagens no tempo.

dessas viagens, começo a fazê-las mais para o passado do que pro futuro. apesar da ansiedade em te ver crescendo, acho que já aprendi que não vale o esforço de tentar adivinhar, a realidade será sempre muito mais fascinante. hoje vejo na menina que acordou ao meu lado aquele bebê que ontem mesmo dormiu comigo.

você acorda - na maioria das vezes - já sorrindo, mas, em vez de bater suas perninhas de felicidade como fazia aos 3 meses, agora senta na cama me observando para logo em seguida voltar a deitar aninhada no meu corpo. ficamos ali até que você levanta impaciente anunciando que 'agora vamos lá tomar café'.

você segue sem poder ouvir a frase 'vamos dormir'. geralmente protesta com um 'eu não vou dormir nada!', um 'mas não quero dormir hoje!' ou argumenta que 'ainda vamos...' e inventa uma série de atividades inadiáveis para prolongar o antes-de-dormir. apesar de não ser meu momento preferido contigo, ainda prefiro essa hora de dormir com a menina-argumentadora do que com o bebê-choroso.

aliás, quanta argumentação pode caber numa menininha que beira os 3 anos? o bebê-falante virou uma menina-mais-falante-ainda. 'vou pisar na poça, pois estou de galochas'. 'não preciso de ficar na sombra puquê já passei filtro e estou de chapéu'. 'vou de vestido e short pra pracinha para não machucar meu bumbum'. 'meus pés estão cansados, quero colo'. 'me empresta seu celular? eu te empresto um brinquedo'. 'quando eu crescer vou poder sair sozinha'. é o preço que pago por criar filha pra ser questionadora. preço que pago feliz.

e não, você ainda não para por um segundo. mesmo quando está cansada, com sono, está a mil. correndo. pulando. cantando. brincando. falando pelos cotovelos. e isso é exaustivo - pra mim, claro, pra você não parece fazer diferença. eu rio sozinha quando alguém comenta 'ela não para, né?'. não, não para. mas você é assim. você sempre foi assim. teu tempo parece correr mais rápido do que o do resto do mundo.

dia desses você admitiu pra mim: 'mamãe, eu gosto de fazer as pessoas rir, pra elas ficarem felizes'. sorri pra você e transbordei de orgulho dessa menininha-bacana - como você gosta de dizer que é - que está crescendo junto comigo.

que sorte a minha que você veio.
que sorte a minha que estamos aqui juntas.

feliz aniversário, Dora.

terça-feira, 8 de março de 2016

oito de março.

quer me desejar um feliz dia da mulher? me pague um salário equivalente ao que ganham homens da mesma idade e com mesma escolaridade que eu. lute por um mercado de trabalho que trate da mesma forma pais e mães. apoie a legalização do aborto. aceite o ‘não!’ que eu te disse na balada sem me chamar de vagabunda. disfarce a cara de surpresa quando eu te contar que tenho uma filha pequena e saio a noite e bebo e fumo e trepo. guarde pra você os comentários sobre o tamanho da minha saia, junto com o que você pensa sobre meus mamilos estarem marcando a blusa. não elogie minha filha dizendo que ela ‘é linda e vai dar um trabalhão pro pai quando crescer’. não me chame de ‘meu amor’ se você está apenas me atendendo numa loja. guarde pra você comentários machistas e não se justifique dizendo que o que você falou ‘foi só uma piadinha’. se uma mulher apontar machismo na tua fala, apenas acate e reflita. pare de achar que eu preciso de um homem para me sentir plena, feliz e segura. deixe minha filha crescer livre ser o que ela quiser ser. crie você também o seu filho para crescer livre e ser o que ele quiser ser, vai que ele descobre que quer ser uma mulher e você tava aí pensando que não precisaria ser preocupar com os direitos das mulheres...
#nãoqueroflores #DiaInternacionaldaMulher

segunda-feira, 7 de março de 2016

recado grávido

prezado ser-humano-não-gestante,
se você vê uma gestante fazendo algo que - você acha que - ela não deveria fazer por conta da gestação e sente uma necessidade incontrolável de alertá-la sobre suas atitudes, observe o tamanho da barriga. pense que quanto maior o tamanho da barriga, maior a chance dela já ter ouvido o que você tem a dizer a ela. se, ainda assim, você optar pelo alerta, faça-o de maneira gentil e simpática.
ao final do seu discurso, deseje tudo de bom a gestante e seu bebê e pare por aí. nenhuma mulher grávida gosta de ficar ouvindo histórias trágicas de como você conhece "n" mulheres que perderam bebês de formas banais ou trágicas.
grata pela atenção,
ser-humano-gestante-com-níveis-perigosamente-baixos-de-paciência

(texto original de mar/13 
- 35 semanas de gravidez)

quarta-feira, 2 de março de 2016

pum de quê?

*fedor familiar*

- filha, você soltou pum?

- sim!
- foi pum de pum ou pum de vontade de fazer cocô?
- não, mamãe... relaxa.
- foi pum de quê, então?
- esse pum foi de vontade de brincar.

Dora, 2 anos, 11 meses e 3 dias.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

#desafiodamaternidade ou 'tô fora de padecer no paraíso!'

conseguir parir, mesmo sofrendo violência obstétrica, querer ter meu corpo e minhas escolhas respeitados pela equipe médica. aceitar que o parto que tive foi o parto possível para mim e para minha filha naquele momento, com as informações que eu tinha naquele momento.

passar pela abissal solidão do puerpério.

afirmar-me constantemente como mãe-capaz para parentes, amigos e sociedade em geral compartilhando e explicando minhas escolhas-fora-da-caixa.

morar sozinha com bebê de colo por meses. e lidar, ainda, com a solidão imensa que a maternidade traz.

fazer um mestrado com uma filha de 2 anos.

seguir buscando os melhores caminhos para mim e para ela lutando para não entrar no piloto-automático da criação de filhos.

ouvir dos outros que ‘você não devia beber cerveja se ainda amamenta’, nem ‘sair a noite sair a noite se tem filha pequena’, da sorte que tenho da minha filha ter um pai presente e – o clássico – ‘filho é da mulher, né?’

sentir-me a única responsável por cuidar/organizar/decidir sobre questões da vida da minha filha como a sua rotina semanal, qual escola vai estudar, se faz ou não atividades extra-classe, quando e a qual pediatra/dentista levar, etc. e, sendo aquela que 'dá a palavra final', arcar com as consequências/dúvidas/inseguranças que essas decisões trazem.

argumentar – agora diretamente com ela – que rosa não é cor de menina; que homens podem beijar homens na boca, se isso os faz felizes; que a moça dirigindo o ônibus pode dirigir o ônibus e qualquer outra coisa que ela tiver afim de dirigir; que antes de casar com o príncipe, a princesa bem podia viajar/estudar/conhecer outros príncipes; que o cabelo dela pode ser cacheado, liso ou do jeito que ela quiser.

ser rotulada de chata por questionar a normalização do consumismo infantil; questionar a adultização das nossas meninas; questionar a medicalização da infância. por questionar tudo o tempo todo...

estes são meus desafios da maternidade. perdoem-me, mas disto não tenho foto. sou feliz em ser mãe apesar disso. o amor, o cheirinho de bebê, as fofurices, os marcos de desenvolvimento, os sorrisos, os abraços fazem parte da maternidade sim. mas os fatos acima listados são o que me fazem a mãe que sou hoje e da qual me orgulho.

são só três anos nesse papel, ainda vou passar por muita coisa das quais não faço ideia que me esperam, mas quero sempre lembrar desse início, quando percebi que maternidade é paradoxal e que a foto beijoca-do-pai-na-barriga está bem longe da realidade do dia a dia.


tô fora de padecer no paraíso.    

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

escuta.

num grupo de maternidade duma rede social surge um debate polêmico sobre o racismo. e outro. e mais um. e tantos mais. para não sair – tanto – do âmbito do grupo, eles tem como provocadores o uso de slings por mulheres brancas, uso de turbantes também por elas, uma campanha numa loja de roupa infantil de gosto duvidoso, etc.

na atual conjuntura, tenho a impressão de que qualquer tema pode ser gatilho de uma discussão acalorada sobre racismo. e não é pequeno o número de pessoas que vejo reclamando do tom destes debates. ‘Parecem dois monólogos!’ ‘Não há escuta!’, ‘Tem respostas muito agressivas!’ – queixam-se.

pois bem, concordo. fossem teatralizados, esses posts contariam com duas pessoas numa praça pública, ambas com megafones, cada uma entoando seus próprios argumentos enquanto engasgam sem ar por ignorarem as virgulas do discurso. me incomodam esses bate-bocas online – que nada tem de virtuais, pelo contrário, são bem reais - onde parece que o autor do último comentário sequer refletiu/digeriu a fala do penúltimo comentário. mas considero esses 'duplo-monólogos’ extremamente válidos, pois, em muitos casos, é a primeira vez que a segunda voz é falada em praça pública.

e a ideia destas discussões parecerem dois monólogos incomoda demais. incomoda, pois até pouco tempo o dono da voz era só um: o do branco, neste caso. o do homem, no caso do feminismo. o dos héteros, no caso do movimento LGBT. e assim por aí vai.

e o tom incomoda mais ainda, pois ele agora é de igual para igual. nessa praça todos tem direito a um megafone.

mas, voltando as discussões acerca do racismo, não posso dizer que são agressivas as falas das mulheres negras acerca da apropriação cultural no uso de slings ou turbantes pelas mulheres brancas, pois eu nunca estive no lugar do negro para saber se o meu discurso enquanto mulher branca é agressivo. e preciso do olhar do outro para me dizer agressiva ou não.  se uma senhora negra passa pela vitrine de uma loja de roupas e se horroriza com manequim negro – ou pintado de preto, como os porta-vozes da marca idiotamente insistem em dizer – virado de cabeça para baixo, o sr.  Rony Meisler deve enfiar a viola no saco e admitir o incômodo que causou. sendo mãe de uma criança pequena, preciso acreditar num mundo melhor, então prefiro crer que o intuito da marca não foi fazer uma apologia a práticas de tortura durante a escravidão e causar esse ''’’’’desconforto’’’’’’, mas causou. e, sinto muito, mas só o negro tem propriedade pra dizer se isso incomodou ou não. como só a mulher pode dizer se o ‘fiu fiu’ foi desrespeitoso ou não. e, de novo, por aí vai...


por fim, acompanhando esses entusiasmados debates, penso que envolvem, em sua maioria, questões onde dificilmente chegar-se-á a um meio termo. mas o debate é sempre válido. o debate é necessário. e fica aqui uma última provocação: será que essa escuta não está mais difícil, pois agora existem outras vozes nesse debate? 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

presentes da chuva.

hoje, no caminho entre um passeio e uma reunião, optei por pegar um ônibus em vez de ir de metrô. faço isso poucas vezes por conta do estado em que geralmente se encontram o ônibus da nossa cidade - vergonhosamente sujos, ar condicionado desligado e janelas trancadas - e, além de demorar mais no trajeto por conta do trânsito, estamos naquelas semanas do ano entre um reajuste e outro de passagem quando a tarifa do metrô é mais barata do que a dos ônibus. mas hoje, mesmo atrasada e em dia de chuva, fomos, ela e eu, de ônibus.

apesar de todos os contras, andar de ônibus com uma criança é muito mais legal do que de metrô. enquanto o eficiente caminho por baixo da terra requer esforços nossos para entretenimento da cria, no ônibus o entretenimento está dado: ela olha pela janela. e ela me convida a olhar pela janela com ela. 'olha, mamãe, aquele carro TÃO azul!', 'uaaau um trato-or!', 'uuuum... dois... três... eram três pessoas com guarda-chuvas... pq está chovendo, né mamãããee?', 'olha lá uma estátua de príncipe no cavalo!', 'mas que bagunça esses moços de obra estão fazendo...'

impossível evitar, entro na brincadeira. 'é um carro SUPER azul, né filha!?', 'aonde você acha que vai esse trator?', 'olha aquele outro moço de capa de chuva...', 'quem será aquele moço no cavalo?', 'essa obra é mesmo uma bagunça... olha o tamanho desse buraco!' 

que delícia de jogo!

ainda olhando pela janela, enquanto cruzamos o centro da cidade por uma avenida que há poucos dias teve seu trânsito completamente mudado e que tantas pessoas reclamaram, ela não se importa com o trânsito lento e, após contar meia dúzia de poças, afirma:

'as poças são presentes da chuva para mim... por que eu gosto de pisar nelas quando eu tô de galochas'



posso querer a companhia dela para sempre? posso querer nunca ficar cega deste olhar tão encantado para tudo? me apaixono.

<3