num grupo de maternidade duma
rede social surge um debate polêmico sobre o racismo. e outro. e mais um. e tantos
mais. para não sair – tanto – do âmbito do grupo, eles tem como provocadores o
uso de slings por mulheres brancas, uso de turbantes também por elas, uma
campanha numa loja de roupa infantil de gosto duvidoso, etc.
na atual conjuntura, tenho a
impressão de que qualquer tema pode ser gatilho de uma discussão acalorada
sobre racismo. e não é pequeno o número de pessoas que vejo reclamando do tom
destes debates. ‘Parecem dois monólogos!’ ‘Não há escuta!’, ‘Tem respostas muito
agressivas!’ – queixam-se.
pois bem, concordo. fossem
teatralizados, esses posts contariam com duas pessoas numa praça pública, ambas
com megafones, cada uma entoando seus próprios argumentos enquanto engasgam sem
ar por ignorarem as virgulas do discurso. me incomodam esses bate-bocas online –
que nada tem de virtuais, pelo contrário, são bem reais - onde parece que o
autor do último comentário sequer refletiu/digeriu a fala do penúltimo
comentário. mas considero esses 'duplo-monólogos’ extremamente válidos, pois,
em muitos casos, é a primeira vez que a segunda voz é falada em praça pública.
e a ideia destas discussões
parecerem dois monólogos incomoda demais. incomoda, pois até pouco tempo o dono
da voz era só um: o do branco, neste caso. o do homem, no caso do feminismo. o
dos héteros, no caso do movimento LGBT. e assim por aí vai.
e o tom incomoda mais ainda, pois
ele agora é de igual para igual. nessa praça todos tem direito a um megafone.
mas, voltando as discussões
acerca do racismo, não posso dizer que são agressivas as falas das mulheres
negras acerca da apropriação cultural no uso de slings ou turbantes pelas
mulheres brancas, pois eu nunca estive no lugar do negro para saber se o meu
discurso enquanto mulher branca é agressivo. e preciso do olhar do outro para
me dizer agressiva ou não. se uma
senhora negra passa pela vitrine de uma loja de roupas e se horroriza com
manequim negro – ou pintado de preto, como os porta-vozes da marca idiotamente insistem em dizer
– virado de cabeça para baixo, o sr. Rony Meisler deve enfiar a viola no saco e
admitir o incômodo que causou. sendo mãe de uma criança pequena, preciso
acreditar num mundo melhor, então prefiro crer que o intuito da marca não foi
fazer uma apologia a práticas de tortura durante a escravidão e causar esse ''’’’’desconforto’’’’’’,
mas causou. e, sinto muito, mas só o negro tem propriedade pra dizer se isso
incomodou ou não. como só a mulher pode dizer se o ‘fiu fiu’ foi desrespeitoso
ou não. e, de novo, por aí vai...
por fim, acompanhando esses
entusiasmados debates, penso que envolvem, em sua maioria, questões onde
dificilmente chegar-se-á a um meio termo. mas o debate é sempre válido. o debate é
necessário. e fica aqui uma última provocação: será que essa escuta não está
mais difícil, pois agora existem outras vozes nesse debate?
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